sábado, 30 de março de 2013

Sobre ferrugem e sentimento.

Pra tirar a ferrugem e se mexer foi preciso mais que óleo, espátulas e lixas. Ela estava ali esperando que alguém fizesse todo o trabalho esquecendo-se completamente do velho e bom ditado "se quiser bem feito, faça você mesma". E como estava ali, a espera, sempre teve quem tentasse molda-la de acordo com sua própria visão de modos e atitudes. Não conseguiam muita coisa porque apesar da falta de óleo permitir a fixez das mais variadas posições a ferrugem a havia corroído o suficiente para não mante-las. Tentaram diversas posições, todas a incomodavam e, as vezes, num movimento meio torpe de qualquer coisa parecida com consciência, ela gritava. Então, o grande entusiasta da vez, percebendo que se tratava de algo com mais vida do que supunha, ia embora. Foram anos assim até que um dos "misericordiosos moldadores" (como ela os denominava ao se aproximarem) a colocou numa numa pose desconfortabilíssima, ela gritou, ele não foi embora, a ferrugem não permitiu a posição por muito tempo, ele continuou, ela chorava, ele foi além, a desconstruiu, juntou novamente as partes (com todo o desgaste que havia) e apesar da dor ela achou que talvez fosse ele o grande reconstrutor, aquele que havia esperado por tanto tempo. Um sopro de felicidade dolorida. Não era. Ele, como todos os outros, se cansou. Deixou-a ali no canto onde a encontrou, mas meio torta, com umas peças faltando, jogadas no chão. Sem saber o que fazer, ela tentou pegar as coisas espalhadas e deu de cara com sua falta de mobilidade. Parou. Dias. Começou a sentir falta dos fragmentos, movimentou-se, alcançou o óleo, mais um passo. Mais um. Mais... Empilhou tudo nela num abraço sôfrego. Reconstruiu-se. Não poliu nada, era tal qual estava, no aspecto que se permitira chegar. Mais enferrujada do que trem de ferro exposto a maresia, ela continuou, nunca mais voltou ao mesmo lugar. Foi preciso mais que espátulas, óleos e lixas, foi preciso dor pungente, abandono e uma falsa ideia do que seria o amor.